Autor: David Wise
Tradução: Red Yorkie
É realmente incrível que haja relativamente tão pouca indignação quando, há alguns meses, se tornou de conhecimento público que, por uma década, a Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA) pagou secretamente editores e autores para que produzissem livros vendidos não apenas no exterior, mas neste país também, sem absolutamente nenhuma indicação de sua origem governamental. E é ainda mais incrível que isso continue ocorrendo. Mas, antes de mais nada, um pouco de história.
O governo despejou mais de um milhão de dólares na inciativa literária clandestina desde que o lançamento do programa da USIA, em 1956. Parte dos US$ 2.027.399 foi gasta na produção de livros simplificados em inglês confinados à distribuição no exterior, mas uma porção substancial do dinheiro – US$ 570.850 do total – serviu para subsidiar editoras estadunidenses por meio da compra de livros “que [de outro modo] não seriam escritos nem publicados para o mercado comercial sem o encorajamento da Agência”.
Ao todo, 104 títulos foram subsidiados dessa maneira. Outros US$ 183.905 foram usados diretamente para encomendar junto a autores ou editoras a produção de 46 manuscritos, tal como um chapeiro preparando cheeseburgers intelectuais (A USIA revelará os títulos de apenas sete desses tomos. Porém, o motivo por que alguns deles tiveram seus nomes divulgados e outros não é um mistério em relação ao qual somente a USIA, supostamente, sabe a resposta.). Embora se diga que esses livros foram produzidos primariamente para distribuição no exterior, em praticamente todos os casos, eles também foram vendidos por suas editoras comerciais em livrarias nos EUA, sem indicação de que se tratava de um produto governamental.
Apesar de muitos editores terem se apresentado para tirar proveito dessa generosidade clandestina, um deles, Frederick A. Praeger, ficou especialmente interessado em produzir na surdina livros para o governo. Em 1966, por exemplo, Praeger publicou Why Viet Nam? de Frank N. Trager, uma defesa da política dos EUA no Vietnã. O texto publicitário na sobrecapa do livro dá o tom: “O relato do Professor Trager sobre a luta que rachou ao meio o Vietnam oferece razões convincentes para esse envolvimento [dos EUA] e mostra por que o compromisso dos Estados Unidos – um compromisso de três presidentes – precisa continuar. Ele também busca mostrar por que, depois de uma sucessão de governos instáveis, a administração do Premiê Nguyen Cao Ky oferece esperança renovada de um Vietnã do Sul livre e seguro.” Porém, em lugar algum está indicado que a USIA teve qualquer participação no financiamento do livro.
Registros do Congresso dos EUA mostram que a USIA pagou a Trager US$ 2.500 para escrever o manuscrito e, em seguida, adquiriu de Praeger 2.000 exemplares do livro a um custo de US$ 5.750. No total, Trager e a equipe de Praeger receberam juntos US$ 8.250 da USIA, fora os royalties obtidos com as vendas para leitores desavisados nos EUA (em julho de 1967, Why Viet Nam? apareceu na lista da Newsweek de títulos recomendados sobre a guerra).
A USIA chama esse empreendimento na área de editoria clandestina de programa de “desenvolvimento de livros”, um eufemismo que foi definido publicamente três anos atrás por Reed Harris, o então funcionário da USIA que era – mas não mais – responsável pela iniciativa. Ao testemunhar para o subcomitê Rooney da Câmara dos Deputados, em março de 1964, Harris disse: “Esse é um programa por meio do qual podemos obter livros escritos de acordo com as nossas próprias especificações, livros que de outro modo não seriam publicados, especialmente aqueles livros que apresentam um forte conteúdo anticomunista, e que seguem outros temas que são especialmente úteis para os nossos propósitos. No âmbito do programa de desenvolvimento de livros, controlamos a coisa desde a ideia inicial até a versão final do manuscrito editado.”
As palavras soaram esquisitas vindas de Harris, uma vítima de McCarthy que, em 1954 havia corajosamente desafiado o senador de Wisconsin; ele renunciou a seu emprego governamental na época, mas foi convocado de volta para a USIA por Edward R. Murrow quando sua sanidade retornou oito anos mais tarde.
Harris inicialmente recusou-se a revelar ao subcomitê Rooney os títulos dos livros desenvolvidos pela USIA. Seu subordinado, Louis A. Fanget, disse de maneira voluntária que “tentamos alcançar escritores comerciais externos que tenham estatura no mundo literário, tentamos fazer com que eles escrevam livros. Isso resulta em maior credibilidade, senhor.”
Harris finalmente mencionou vários títulos subsidiados, mas seu testemunho foi altamente expurgado, aparentemente, para que não houvesse o perigo de que os contribuintes descobrissem quais livros eles haviam financiado inadvertidamente com seus dólares e, talvez, em alguns casos, comprado pela segunda vez em livrarias.
Posteriormente, Glenard P, Lipscomb, um deputado republicano muito conservador de Los Angeles e membro do subcomitê, pediu ao então Controlador-Geral dos Estados Unidos, Joseph Campbell, para decidir se o programa de desenvolvimento de livros era legal. Campbell respondeu cuidadosamente que o programa não era “impróprio” segundo a lei. Ele também mencionou que os contratos entre a USIA e as editoras previam especificamente que o papel governamental fosse mantido em segredo.
Embora Campbell não tivesse feito citações diretas de contratos sigilosos da USIA com editoras nova-iorquinas, a linguagem utilizada nos documentos ainda secretos é instrutiva. Um contrato, datado em 30 de novembro de 1956, por exemplo, contém a seguinte cláusula: “… A publicação deverá ocorrer sem atribuir crédito para a Agência. […] A contratada não distribuirá… publicidade nem informações que, de algum modo, façam referência ao presente contrato ou à existência de conexão governamental com o livro em questão.” (itálico incluído por mim).
Contratos posteriores entre a USIA e editoras de livros comerciais no âmbito do programa contêm substancialmente a mesma redação, concebida para garantir que a mão do governo permanecesse oculta, uma advertência contra boatos em uma indústria dada a boatos.
Carl Rowan, que sucedeu Murrow como diretor da USIA, foi suficientemente cauteloso depois do testemunho de Harris, para que, em 1964, nenhum outro manuscrito fosse encomendado sem sua aprovação. Então, em setembro de 1966, o sucessor de Rowan, Leonard Marks, apareceu perante o subcomitê Rooney e foi indagado do motivo por que era errado “deixar que a população estadunidense soubesse quando eles compram e leem um livro que foi criado sob o patrocínio governamental?”
“Isso minimiza o valor dele,” replicou Marks.
Pela primeira vez, o diretor da USIA deixou registrado os títulos de três livros encomendados e de 12 subsidiados. Os livros escritos sob encomenda incluíam The Truth About The Dominican Republic do correspondente da revista Time, Jay Mallin (ele apareceu sob o título Caribbean Crisis: Subversion Fails in the Dominican Republic quando foi publicado pela Doubleday em 1966).
Quando Marks testemunhou novamente, em março desse ano, porém, ele disse que, alguns meses antes, em outubro de 1965, ele também havia parado de encomendar manuscritos “sem a minha aprovação específica”, um aspecto que ele havia se esquecido de mencionar quando testemunhou em favor do programa seis meses antes.
Apesar de todas as ordens para encerrar o programa, quatro outros livros, de alguma maneira, aparentemente escaparam da rede burocrática. No ano fiscal de 1966, Marks testemunhou que a USIA havia encomendado – além do livro de Trager – Terror in Vietnam, outro livro de Jay Mallin, publicado por D. Van Nostrand (pelo qual Mallin recebeu US$ 4.946 da USIA), e dois outros títulos de Praeger.
Durante as audiências do Comitê de Relações Exteriores do Senado, em março passado, o Presidente J. Willian Fulbright fez a seguinte declaração sobre a farsa do desenvolvimento de livros: “Jamais teria imaginado… que vocês fossem fazer isso de maneira secreta. Isso me parece extremamente questionável.” O programa pode ter sido mais sigiloso do que Fulbright imaginava, pois há sólidas evidências de que parte do dinheiro canalizado para autores e editoras pela USIA pode na verdade ter vindo da CIA (Praeger admitiu publicamente ter editado “15 ou 16” livros a pedido da CIA).
Alguns anos atrás, US$ 16.500 foram pagos pelo governo para The New Leader, a fim de preparar um livro, publicado em 1963 pela Farrar, Straus, com o título de The Strategy of Deception: A study in worldwide Communist tactics. Foi uma transação complexa segundo a qual a USIA firmou um contrato com a American Labor Conference on International Affairs Inc., que conta com isenção de impostos e que publica The New Leader, a qual, por sua vez, contratou Jeane J. Kirkpatrick para editar o livro, uma coletânea de ensaios. A sra. Kirkpatrick é a esposa de Evron M. Kirkpatrick, um ex-oficial de inteligência e diretor da American Political Science Association e de uma iniciativa chamada Operations and Policy Research, que recebeu fundos tanto da USIA quanto de duas fundações que serviam como veículos da CIA. The New Leader firmou um contrato com a Farrar, Straus, que, em seguida, publicou Strategy of Deception. Segundo testemunho da USIA, 25.000 cópias foram impressas “para venda neste país”, um número que Roger W. Straus, presidente da Farrar, Straus contesta como sendo elevado. O que ninguém contesta é que o livro se tornou parte da seleção alternativa do Book of the Month Club e foi vendido em livrarias nos EUA sem nenhuma indicação de que o governo havia pago por ele. Até onde os registros públicos mostram, o dinheiro veio da USIA, mas os administradores do programa de livros tinham a nítida impressão de que os fundos de The New Leader se originavam naquela que era conhecida, de maneira sutil, como “a outra Agência”.
Da maneira como se encontra a situação atualmente, dois diretores da USIA reivindicaram individualmente para si crédito por refrear o mesmo programa de livros. “Não pretendo promover nenhum outro programa de desenvolvimento de livros, conforme expliquei,” Leonard Marks informou ao deputado federal Rooney em 15 de março de 1967. Mas a requisição orçamentária da USIA prevê, sob o item “Desenvolvimento de Livros”, despesas de US$ 51.450 para o ano fiscal de 1967-68, dos quais US$ 28.000 são dedicados ao “apoio à publicação de seus quatro títulos”. E um memorando interno de Marks para os funcionários, com a data de 9 de junho de 1967, ainda permite que livros sejam encomendados “sob circunstâncias excepcionais onde editoras comerciais não consigam atender às necessidades da Agência”. Subsídios importantíssimos prosseguem: “A Agência firmará contratos com editoras para comprar números específicos de exemplares de livros… de utilidade exclusiva… antes da publicação efetiva.”
Para editoras ávidas, trabalhando com margens de lucro exíguas, tal garantia antes da publicação é muito parecida com a contratação de um livro para que seja escrito sob encomenda. Mas divulgar a participação do governo na criação contínua de livros, poderia, nas palavras de Mark, minimizar seu valor. “É muito importante, na minha opinião,” Marks disse ao Congresso, “que esses não sejam nossos livros”.